terça-feira, 26 de junho de 2007

Roteiros de Aula - Aula 15 – Solução de Controvérsias – Direito de Guerra e Neutralidade

Controvérsia internacional é todo desacordo existente sobre determinado ponto de fato ou de direito, ou seja, toda oposição de interesses ou de teses jurídicas entre dois Estados (ou eventualmente grupos de Estados) ou Organizações Internacionais.
As soluções pacíficas de controvérsias podem ser classificadas em: a) meios diplomáticos (ou não judiciais); b) meios políticos; c) meios semi-judiciais; e d) meios judiciais.
Depois da proscrição do uso da força pela Carta das Nações Unidas, os meios de solução pacífica são o único meio juridicamente viável para a solução de controvérsias. Ainda assim, não há em Direito Internacional Público qualquer obrigação de solucionarem-se as controvérsias, sendo que qualquer meio utilizado há que assentar-se no consentimento das partes.
As partes não estão obrigadas a utilizar um ou outro meio, ou seguir qualquer ordem de eleição dos meios; podem escolher o que melhor lhes aprouver, não havendo entre os meios de solução de controvérsias qualquer hierarquia, com exceção do inquérito que, buscando apurar a verdade dos fatos ocorridos do território de determinado Estado, é sempre prévio à via de solução de conflitos.
Os meios diplomáticos de solução de controvérsias são aqueles que proporcionam um foro de diálogo entre as partes divergentes, para que estas busquem um denominador comum para a satisfação dos interesses de ambas as partes envolvidas no conflito internacional. Assim como os meios políticos, carecem de imposição pelo direito, e podem inclusive sacrificá-lo para chegar a uma solução que satisfaça os interesses de todas as partes envolvidas no conflito.
São meios diplomáticos de solução pacífica de controvérsias: a) negociação direta; b) bons ofícios; c) sistema de consultas; d) mediação; e) conciliação; e f) inquérito.
As negociações diretas consistem no entendimento direto que chegam os Estados em relação ao conflito existente, manifestado por meio de comunicação diplomática. Podem ser bilaterais (entre dois sujeitos de Direito Internacional Público) ou multilaterais (entre três ou mais sujeitos de Direito Internacional Público).
Pelos bons ofícios, determinado terceiro oferece sua colaboração (intervenção benévola) com vistas a resolver determinada controvérsia internacional entre dois ou mais Estados ou Organizações Internacionais.
Pelo sistema de consultas, os Estados ou Organizações Internacionais consultam-se mutuamente sobre os pontos de controvérsia dos seus interesses, preparando terreno para uma futura negociação, na qual essas mesmas partes colocarão à mesa os pontos que já vinham considerando controversos entre elas para, ao final, chegar a uma solução amistosa de suas diferenças.
Na mediação, o terceiro (chamado de mediador) não apenas aproxima as partes para que resolvam suas controvérsias, como ocorre nos bons ofícios, mas efetivamente toma conhecimento do problema e propõe uma solução pacífica a ambas (o que não significa, entretanto, que a mesma será acatada).
A conciliação é um método mais formal e solene de solução de controvérsias, que se caracteriza em não ter apenas um conciliador, como ocorre na mediação, mas uma comissão de conciliadores, composta por representantes dos Estados envolvidos no litígio e também de pessoas neutras ao conflito. Este grupo de pessoas (cujo número deve ser obrigatoriamente ímpar) emite, ao final, um parecer ou relatório propondo a solução do conflito pelos termos que decidiram por maioria de votos. O relatório dos conciliadores, entretanto, não tem força vinculante para as partes, e só será observado quando ambas assim desejarem.
Por meio do inquérito, forma-se uma comissão de pessoas que têm por encargo apurar os fatos (ainda ilíquidos) ocorridos entre as partes, preparando-as para o ingresso num dos meios de solução pacífica de controvérsias.
Os meios políticos de solução de controvérsias são aqueles levados a cabo no seio de Organizações Internacionais, em especial a ONU, cuja Assembléia Geral ou Conselho de Segurança podem fazer recomendações ou tomar resoluções em relação a conflitos internacionais, sugerindo ou determinando certas soluções a controvérsias internacionais. Tais Organizações não precisam ser provocadas por todas as partes envolvidas no conflito, bastando que uma delas leve o assunto ao conhecimento da Organização e tal assunto esteja na órbita de “interesse internacional”, ou seja, seja regulado por normas de Direito Internacional Público.
Diferentemente dos meios vistos até o momento, os meios semi-judiciais (arbitragem) e judiciais de solução de controvérsias têm como característica o fato de serem, ambos, obrigatórios para as partes em litígio. A arbitragem diferencia-se dos meios judiciais de solução de controvérsias por ser o tribunal arbitral um tribunal ad hoc, enquanto os tribunais judiciais são permanentes, têm composição fixa e sua atuação se fundamenta em normas preexistentes aos conflitos.
A arbitragem internacional consiste na criação de um tribunal formado por árbitros de vários Estados, escolhidos pelos litigantes por sua notória especialidade na matéria envolvida e baseado no respeito ao direito, geralmente por meio de um compromisso arbitral em que as partes já estabelecem as regras a serem seguidas e aceitam a decisão que vier a ser tomada.
Os árbitros são livremente escolhidos pelas partes, que podem eleger um terceiro para escolher os árbitros. Os poderes dos árbitros devem constar expressamente do compromisso arbitral, não sendo válida a sentença proferida por árbitro que manifestamente extrapolou seus poderes.
Cláusula arbitral é a cláusula aposta em um tratado internacional que obriga os Estados-partes a recorrerem à arbitragem na solução de suas pendências internacionais, quer para resolverem qualquer divergência relativa à interpretação do acordo, quer para criar meios mais céleres de se executar o compromisso firmado, quer ainda para deixar expresso que todos os litígios porventura existentes entre as partes deverão ser submetidos a esse meio semi-judicial de solução de controvérsia internacional.
O processo arbitral é regulado pelo compromisso. Em seu silêncio, cabe aos árbitros dar curso ao processo da forma que melhor lhes convier.
Salvo disposição convencional em contrário, a sentença do tribunal arbitral, chamada de laudo, tem valor jurídico e deve ser fielmente cumprida pela partes. Contra o laudo arbitral não cabem recursos, sendo o mesmo definitivo e obrigatório para as partes litigantes. As partes podem recorrer novamente ao árbitro para que ele aclare eventual obscuridade do laudo (o chamado “pedido de interpretação”) ou para alegar nulidade do laudo. O não cumprimento do laudo acarreta a responsabilidade internacional das partes.
A arbitragem se classifica em voluntária e obrigatória. A primeira ocorre quando as partes livremente decidem resolver suas contendas por meio da eleição de árbitros que formarão um tribunal arbitral ad hoc especialmente para o caso. A segunda, chamada de obrigatória, tem lugar quando as partes estão obrigadas a recorrer à arbitragem, em virtude daquilo que elas próprias previamente consentiram por meio de acordo anteriormente firmado entre ambas.
Os meios judiciais de solução de controvérsias são integrados pelos chamados tribunais internacionais de caráter e jurisdição permanentes. Tais tribunais são constituídos por tratados, que são produto da vontade conjugada dos Estados, diferentemente do Regulamento do Tribunal, que produto da vontade interna do próprio tribunal já constituído.
O principal tribunal internacional é a Corte Internacional de Justiça. No exercício de sua competência contenciosa, a Corte só decide com base no Direito Internacional Público, nunca no direito interno de um Estado. No exercício de sua competência contenciosa, a Corte pode tomar decisões cautelares, desde que informe as partes e o Conselho de Segurança da ONU.
Relativamente à competência consultiva da Corte, é importante notar que somente os órgãos ou organismos especializados da ONU a podem utilizar. No exercício desta competência, a Corte não profere sentenças, mas pareceres consultivos de natureza não-obrigatória.
A jurisdição da CIJ é facultativa, devendo a Corte declarar-se incompetente para o julgamento de litígios envolvendo Estados que não aceitaram expressamente a sua jurisdição contenciosa. Assim, os Estados partes numa controvérsia internacional devem (ambos) reconhecer como obrigatória a jurisdição da Corte em relação a si, aceitando expressamente a sua competência para julgamento. Tal faculdade é chamada de “cláusula Raul Fernandes”, só se admitindo a jurisdição da Corte sobre Estados que tenham aderido a tal cláusula.
O Estado réu não pode recusar a jurisdição da Corte quando se obrigou, por meio de tratado internacional, a aceitá-la, ou ainda por ter aceito a cláusula facultativa de jurisdição obrigatória, segundo a qual um Estado aceita ser demandado perante a Corte, sempre que o outro também tiver aceito a referida cláusula, com base na reciprocidade.
O acórdão da Corte é definitivo e obrigatório para os Estados, não estando subordinado a qualquer procedimento interno de “aceitação” ou “reconhecimento”. Nada impede, entretanto, que as partes ingressem com um pedido de interpretação, requerendo a aclaração de algum ponto ambíguo, omisso ou contraditório do acórdão.
Além da CIJ, há outros tribunais internacionais, como:
a) a Corte de Justiça das Comunidades Européias, que tem como função principal a aplicação e interpretação dos acordos constitutivos das Comunidades Européias, bem como das medidas legislativas adotadas pelos órgãos comunitários;
b) O Tribunal Internacional do Direito do Mar;
c) a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Não se pode exigir que os Estados submetam suas controvérsias à jurisdição de uma corte internacional, assim como sujeitá-los ao pólo passivo da relação processual internacional, se a isto não tiverem expressamente consentido. Portanto, um tribunal internacional não poderá decidir acerca de uma controvérsia internacional da qual faz parte determinado Estado que não aceitou a sua competência em relação a ele.
Uma vez aceita a competência do tribunal, o Estado se obriga em relação ao fiel cumprimento daquilo que foi estabelecido na sentença, devendo cumpri-la de boa-fé, sob pena de responsabilidade internacional.
Fracassados que sejam os meios pacíficos de solução de controvérsias, ou caso não tenham sido aplicadas as medidas judiciais cabíveis para a solução do conflito entre as partes, estas poderão se utilizar de certos “meios coercitivos” para pôr fim ao litígio, antes do início de uma luta armada (guerra) contra o outro Estado envolvido na controvérsia. Tais meios, não obstante a coerção que os caracteriza, são ainda assim considerados pela doutrina como pertencendo ao campo das soluções pacíficas de controvérsias.
Os meios coercitivos mais comuns utilizados pelos Estados são: a) a retorsão; b) as represálias; c) o embargo; d) a boicotagem; e) o bloqueio pacífico; e f) o rompimento das relações diplomáticas.
A retorsão consiste no processo pelo qual um Estado retribui a outro, com os mesmos meios, na mesma medida e na mesma proporção, os atos pouco amistosos por este praticados em detrimento e que lhe acarretaram prejuízos.
Represálias são medidas coercitivas, derrogatórias das regras ordinárias de Direito Internacional Público, tomadas por um Estado em decorrência de atos ilícitos cometidos em seu prejuízo por um outro Estado e destinadas a impor a este, por meio de um dano, o respeito do direito. As únicas represálias atualmente admitidas são aquelas praticadas sem o uso da força, devendo quaisquer outras ser consideradas ilícitas e violadoras das regras do Direito Internacional Público.
O embargo é uma modalidade de represália por meio do qual um Estado, em tempo de paz, seqüestra navios e cargas de nacionais de país estrangeiro, ancorados em seus portos ou em trânsito nas suas águas territoriais, a fim de fazer predominar a sua vontade em relação à vontade do Estado embargado. É contrário aos princípios e regras do Direito Internacional Público moderno.
A boicotagem ou boicote também é modalidade de represália e consiste na interrupção de relações comerciais com um Estado tido como ofensor dos interesses ou dos nacionais de outro Estado.
O bloqueio pacífico (ou bloqueio comercial) tem lugar quando um Estado, sem declarar guerra ao outro, mas por meio de força armada, impede que este último mantenha relações comerciais com terceiros Estados, interrompendo forçosamente as comunicações comerciais entre estes países e o Estado bloqueado. A melhor doutrina entende que o bloqueio é ilegal, afrontando o Direito Internacional Público.
O rompimento das relações diplomáticas consiste na suspensão (temporária ou definitiva) das relações oficiais dos Estados em conflito.
Modernamente, presencia-se a existência de um processo coletivo de sanções internacionais, levado a efeito pela ONU, em especial pelo seu Conselho de Segurança.
Em termos jurídicos, a guerra pode ser conceituada como todo conflito armado entre dois ou mais Estados, durante um certo período de tempo e sob a direção dos seus respectivos governos, com a finalidade de forçar um dos adversários a satisfazer a(s) vontade(s) do(s) outro(s). As guerras civis não são consideradas guerras para o Direito Internacional Público, por não envolverem mais de um Estado.
A guerra é um ato de violência atualmente inadmitido em Direito Internacional Público, sendo considerada um meio de perturbação da ordem social internacional, não podendo ser utilizada (ou deflagrada) pelos Estados, a não ser em casos de legítima defesa dos seus direitos, comprovada por uma agressão injusta ou por um perigo de dano atual ou iminente. Diz a Carta da ONU sobre a guerra (art. 2.º, §§ 3.º e 4.º):
3. Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais.
4. Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas.
As leis da guerra (ou direito de guerra) formam o conjunto de normas às quais devem obedecer os beligerantes entre si e aqueles que não são parte do conflito.
O início de um conflito bélico se dá por meio da declaração de guerra, que é o ato de um Estado que dá ciência ao outro de que, a partir desse momento, terá início uma luta armada entre eles, cessando as relações até então pacíficas que ambos mantinham. A exigência deste aviso de guerra está prevista no artigo 3.º da Convenção da Haia de 1907 sobre abertura de hostilidades.
Às vezes aparece a figura do ultimatum, que representa a última oportunidade que um país dá a outro para o atendimento de certa exigência.
No Brasil, compete ao Presidente da República declarar a guerra, autorizado ou referendado pelo Congresso Nacional (artigo 84, XIX, c/c 49, II, da Constituição Federal).
Como efeito da declaração de guerra, tem-se o rompimento imediato das relações diplomáticas e consulares entre os beligerantes, com a extinção dos tratados bilaterais (e a suspensão dos multilaterais) entre eles vigentes. Os nacionais do Estado inimigo não poderão ser feitos prisioneiros de guerra, mas o Estado pode ordenar sua retirada em determinado prazo sob pena de expulsão. Os bens do Estado inimigo não poderão ser confiscados, mas apenas seqüestrados com a guarda e administração dos bens. Podem ser confiscados apenas os bens móveis do Estado inimigo que não pertençam a seu domínio público.
As hostilidades têm início quando o governo de um Estado ataca de fato o território de outro.
A guerra pode terminar pela conclusão de um Tratado de Paz, pela rendição incondicional de uma das partes beligerantes ou pela pura e simples paralisação das hostilidades.
A possibilidade de um Estado atacar outro em legítima defesa é um princípio geral de Direito Internacional Público e autoriza o recurso à guerra por um Estado desde que imediatamente ao sofrimento de uma agressão injusta, atual ou iminente. O direito à legítima defesa foi reconhecido na Carta da ONU, nos termos do seu artigo 51:
“Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos Membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais.”
Veja-se que o disposto na Carta da ONU limitou o exercício da legítima defesa à ocorrência de uma agressão injusta prévia, impossibilitando a chamada legítima defesa preventiva.
Neutralidade é a situação de alheamento (ou imparcialidade) em que se coloca determinado Estado em relação às hostilidades entre duas ou mais potências, abstendo-se de todo e qualquer tipo de ingerência ou participação ativa ou passiva na controvérsia, tornando-se estritamente imparcial perante eles.
A neutralidade pode manifestar-se de duas formas:
a) unilateralmente, por ato voluntário do Estado, que se mostra desejoso de alhear-se de certo conflito bélico, quando se tem a neutralidade simples ou voluntária, de caráter transitório e temporário;
b) por meio de tratado internacional, quando se tem a neutralidade permanente, de feição perpétua e indeclinável.
Neste último caso, o Estado neutro pode ser compulsoriamente impedido de levar a cabo guerra ofensiva. A neutralidade permanente pode ser reconhecida ou garantida. Na neutralidade reconhecida, os demais Estados-partes do tratado de neutralidade comprometem-se a respeitar a neutralidade daquele Estado que se declarou neutro. Já na neutralidade garantida, os demais Estados-partes do tratado de neutralidade comprometem-se a defender o Estado neutro em caso de agressão.
Muitos doutrinadores entendem que a condição de neutro é incompatível com condição de membro de organizações internacionais de caráter político, como a ONU. Isso porque a condição de neutro impediria tais Estados de seguir as determinações da Organização no caso de uma ação militar coletiva a ser tomada pelos membros da Organização. Com relação à ONU, tal entendimento baseia-se no artigo 43, § 1.º, da Carta, que diz que “todos os Membros das Nações Unidas, a fim de contribuir para a manutenção da paz e da segurança internacionais, se comprometem a proporcionar ao Conselho de Segurança, a seu pedido e de conformidade com o acordo ou acordos especiais, forças armadas, assistência e facilidades, inclusive direitos de passagem, necessários à manutenção da paz e da segurança internacionais”. Ainda assim, alguns Estados neutros, como a Áustria, são membros da ONU e defendem que sua condição de neutralidade não é incompatível com os propósitos das ONU, que são justamente a paz e a segurança coletiva internacional. A Suíça, o mais conhecido caso de Estado neutro, resistiu à sua entrada da ONU até 2002, quando aderiu à Carta da ONU.

Roteiro baseado em sua maior parte em MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 621 - 671.

Roteiros de Aula - Aula 14 – Tribunal Penal Internacional

A criação do Tribunal Penal Internacional, por meio do Estatuto de Roma de 1998, representou um grande impulso à teoria da responsabilidade internacional dos indivíduos, na medida em que o Estatuto prevê punição individual àqueles praticantes dos ilícitos nele previstos.
Há muito já se falava na necessidade da criação de um tribunal internacional permanente com competência para julgar aqueles que perpetrassem crimes contra o Direito Internacional Público. Anteriormente já se havia criado tribunais para o julgamento de tais crimes, como o Tribunal de Nuremberg, o Tribunal de Tóquio e os Tribunais ad hoc criados para julgar os crimes cometidos na ex-Iugoslávia e em Ruanda. Entretanto, todos estes tribunais eram tribunais ad hoc, ou seja, tribunais provisórios criados especialmente para o julgamento de determinados atos. Verdadeiros tribunais de exceção. Por isso, muitas críticas se faziam a tais tribunais, por terem sido ele estabelecidos após a ocorrência dos fatos tidos como criminosos (violação ao princípio do juiz natural), especialmente para julgar tais fatos (violação da vedação aos tribunais de exceção) e tipificando os crimes após a sua ocorrência (violação ao princípio da reserva legal). Ainda assim, muitos defendem que a instituição destes tribunais foi necessária para evitar a impunidade de pessoas responsáveis por atos hediondos.
Para evitar que outros tribunais com as mesmas falhas sejam instituídos novamente é que se criou o TPI como órgão permanente.
O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional foi aprovado em julho de 1998, tendo entrado em vigor internacional em 1.º de julho de 2002. O TPI tem competência para processar e julgar indivíduos acusados de cometer os crimes de maior gravidade que afetam a sociedade internacional como um todo. O Brasil depositou sua carta de ratificação ao Tratado em 20 de junho de 2002, data em que passou a fazer parte do tratado.
O TPI é uma pessoa de Direito Internacional Público e será inicialmente composto por dezoito juízes, eleitos para um mandato de nove anos, vedada a reeleição, dentre pessoas de elevada idoneidade moral, imparcialidade e integridade, que reúnam os requisitos para o exercício das mais altas funções judiciais nos seus respectivos países. Sua competência é regida pelo princípio da complementaridade, ou seja, os Estados continuam tendo a responsabilidade primária de investigar e processar os crimes cometidos pelos seus nacionais, sendo da competência do TPI os casos em que os Estados se mostrem incapazes ou não demonstrem efetiva vontade de punir seus criminosos.
A jurisdição do Tribunal não é estrangeira, mas internacional.
O Estatuto do TPI não pode ser ratificado ou aderido com reservas.
Nenhum inquérito ou procedimento crime poderá ter início ou prosseguir os seus termos por um período de doze meses a contar da data em que o Conselho de Segurança assim o tiver solicitado em resolução aprovada nos termos do disposto no Capítulo VII da Carta das Nações Unidas; o pedido poderá ser renovado pelo Conselho de Segurança nas mesmas condições.
O Tribunal decidirá sobre a não admissibilidade de um caso se:
a) O caso for objeto de inquérito ou de procedimento criminal por parte de um Estado que tenha jurisdição sobre o mesmo, salvo se este não tiver vontade de levar a cabo o inquérito ou o procedimento ou não tenha capacidade para o fazer;
b) O caso tiver sido objeto de inquérito por um Estado com jurisdição sobre ele e tal Estado tenha decidido não dar seguimento ao procedimento criminal contra a pessoa em causa, a menos que esta decisão resulte do fato de esse Estado não ter vontade de proceder criminalmente ou da sua incapacidade real para o fazer;
c) A pessoa em causa já tiver sido julgada pela conduta a que se refere a denúncia, e não puder ser julgada pelo Tribunal em virtude do disposto no parágrafo 3° do artigo 20 (bis in idem);
d) O caso não for suficientemente grave para justificar a ulterior intervenção do Tribunal.
A fim de determinar se há ou não vontade de agir num determinado caso, o Tribunal, tendo em consideração as garantias de um processo eqüitativo reconhecidas pelo direito internacional, verificará a existência de uma ou mais das seguintes circunstâncias:
a) O processo ter sido instaurado ou estar pendente ou a decisão ter sido proferida no Estado com o propósito de subtrair a pessoa em causa à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal, nos termos do disposto no artigo 5°;
b) Ter havido demora injustificada no processamento, a qual, dadas as circunstâncias, se mostra incompatível com a intenção de fazer responder a pessoa em causa perante a justiça;
c) O processo não ter sido ou não estar sendo conduzido de maneira independente ou imparcial, e ter estado ou estar sendo conduzido de uma maneira que, dadas as circunstâncias, seja incompatível com a intenção de levar a pessoa em causa perante a justiça;
A fim de determinar se há incapacidade de agir num determinado caso, o Tribunal verificará se o Estado, por colapso total ou substancial da respectiva administração da justiça ou por indisponibilidade desta, não estará em condições de fazer comparecer o acusado, de reunir os meios de prova e depoimentos necessários ou não estará, por outros motivos, em condições de concluir o processo.
O Tribunal será composto pelos seguintes órgãos:
a) A Presidência;
b) Uma Seção de Recursos, uma Seção de Julgamento em Primeira Instância e uma Seção de Instrução;
c) O Gabinete do Procurador;
d) A Secretaria.
O Gabinete do Procurador atuará de forma independente, enquanto órgão autônomo do Tribunal. Competir-lhe-á recolher comunicações e qualquer outro tipo de informação, devidamente fundamentada, sobre crimes da competência do Tribunal, a fim de os examinar e investigar e de exercer a ação penal junto ao Tribunal. O Procurador será eleito por escrutínio secreto e por maioria absoluta de votos dos membros da Assembléia dos Estados Partes para um mandato de nove anos, vedada a reeleição.
Os Estados Partes deverão cooperar plenamente com o Tribunal no inquérito e no procedimento contra crimes da competência deste.
O Tribunal está habilitado a dirigir pedidos de cooperação aos Estados Partes. Os Estados Partes deverão assegurar-se de que o seu direito interno prevê procedimentos que permitam responder a todas as formas de cooperação especificadas no Estatuto.
O TPI é competente para julgar os crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crime de agressão, todos eles imprescritíveis. Entretanto, o TPI só tem competência em relação àquelas violações praticadas depois da entrada em vigor do Estatuto no Estado de nacionalidade do infrator ou em cujo território foi praticada a violação.
Para os efeitos do Estatuto, entende-se por "genocídio", qualquer um dos atos que a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal:
a) Homicídio de membros do grupo;
b) Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo;
c) Sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial;
d) Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo;
e) Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo.
Para os efeitos do Estatuto, entende-se por "crime contra a humanidade", qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque:
a) Homicídio;
b) Extermínio;
c) Escravidão;
d) Deportação ou transferência forçada de uma população;
e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional;
f) Tortura;
g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável;
h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido aqui ou com qualquer crime da competência do Tribunal;
i) Desaparecimento forçado de pessoas;
j) Crime de apartheid;
k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.
O Tribunal terá competência para julgar os crimes de guerra, em particular quando cometidos como parte integrante de um plano ou de uma política ou como parte de uma prática em larga escala desse tipo de crimes. O Estatuto inovou ao incluir entre os “crimes de guerra” aqueles praticados em conflitos armados não-internacionais.
Nas negociações do Estatuto de Roma, não se chegou a um consenso sobre o conceito de “crime de agressão”. Por isso, o Tribunal só poderá exercer a sua competência em relação ao crime de agressão desde que seja aprovada uma disposição em que se defina o crime e se enunciem as condições em que o Tribunal terá competência relativamente a este crime. Tal disposição deve ser compatível com as disposições pertinentes da Carta das Nações Unidas.
O Tribunal será competente para julgar pessoas físicas. Quem cometer um crime da competência do Tribunal será considerado individualmente responsável e poderá ser punido de acordo com o Estatuto. Nos termos do Estatuto, será considerado criminalmente responsável e poderá ser punido pela prática de um crime da competência do Tribunal quem:
a) Cometer esse crime individualmente ou em conjunto ou por intermédio de outrem, quer essa pessoa seja, ou não, criminalmente responsável;
b) Ordenar, solicitar ou instigar à prática desse crime, sob forma consumada ou sob a forma de tentativa;
c) Com o propósito de facilitar a prática desse crime, for cúmplice ou encobridor, ou colaborar de algum modo na prática ou na tentativa de prática do crime, nomeadamente pelo fornecimento dos meios para a sua prática;
d) Contribuir de alguma outra forma para a prática ou tentativa de prática do crime por um grupo de pessoas que tenha um objetivo comum. Esta contribuição deverá ser intencional e ocorrer, conforme o caso:
i) Com o propósito de levar a cabo a atividade ou o objetivo criminal do grupo, quando um ou outro impliquem a prática de um crime da competência do Tribunal; ou
ii) Com o conhecimento da intenção do grupo de cometer o crime;
e) No caso de crime de genocídio, incitar, direta e publicamente, à sua prática;
f) Tentar cometer o crime mediante atos que contribuam substancialmente para a sua execução, ainda que não se venha a consumar devido a circunstâncias alheias à sua vontade. Porém, quem desistir da prática do crime, ou impedir de outra forma que este se consuma, não poderá ser punido em conformidade com o Estatuto pela tentativa, se renunciar total e voluntariamente ao propósito delituoso.
O disposto no Estatuto sobre a responsabilidade criminal das pessoas físicas em nada afetará a responsabilidade do Estado, de acordo com o direito internacional.
O Estatuto será aplicável de forma igual a todas as pessoas sem distinção alguma baseada na qualidade oficial. Em particular, a qualidade oficial de Chefe de Estado ou de Governo, de membro de Governo ou do Parlamento, de representante eleito ou de funcionário público, em caso algum eximirá a pessoa em causa de responsabilidade criminal nos termos do Estatuto, nem constituirá de per se motivo de redução da pena. As imunidades ou normas de procedimentos especiais decorrentes da qualidade oficial de uma pessoa, nos termos do direito interno ou do direito internacional, não deverão obstar a que o Tribunal exerça a sua jurisdição sobre essa pessoa.
A todo o momento após a abertura do inquérito, o Juízo de Instrução poderá, a pedido do Procurador, emitir um mandado de detenção contra uma pessoa se, após examinar o pedido e as provas ou outras informações submetidas pelo Procurador, considerar que:
a) Existem motivos suficientes para crer que essa pessoa cometeu um crime da competência do Tribunal; e
b) A detenção dessa pessoa se mostrar necessária para:
i) Garantir o seu comparecimento em tribunal;
ii) Garantir que não obstruirá, nem porá em perigo, o inquérito ou a ação do Tribunal; ou
iii) Se for o caso, impedir que a pessoa continue a cometer esse crime ou um crime conexo que seja da competência do Tribunal e tenha a sua origem nas mesmas circunstâncias.
A responsabilidade penal do indivíduo responsável em nada exclui a responsabilidade internacional do Estado pelos mesmos atos.
O Estatuto de Roma parece contrariar a Constituição Federal em alguns pontos. Vejamos cada um deles.
O TPI pode solicitar ao Brasil a entrega de qualquer pessoa para julgamento. Caso esta pessoa seja brasileira, tal procedimento parece violar a vedação constitucional à extradição de nacionais. Entretanto, tal entendimento é equivocado, uma vez que entrega não se confunde com extradição. Enquanto esta ocorre entre dois Estados soberanos, aquela ocorre entre um Estado soberano e o TPI. A vedação constitucional à extradição de nacionais encontra fundamento no fundado receio de que o nacional não seja devidamente julgado por tribunal estrangeiro afeito à soberania de outro Estado, tribunal este do qual o Brasil não tem o menor controle. Logo, tal vedação não tem razão de ser em relação à entrega, pois o TPI não está afeito à soberania de nenhum outro Estado, mas é fundado em parcelas de soberania que vários Estados voluntariamente cederam em seu favor, inclusive o Brasil.
O Estatuto do TPI prevê a possibilidade de aplicação da pena de prisão perpétua, pena esta vedada pela Constituição Federal. Parte da doutrina entende que a vedação constitucional em nada conflita com o texto do Estatuto, pois a Constituição proibiu apenas o legislador brasileiro de cominar tal pena aos crimes regidos pela legislação penal interna, não atingindo o legislador estrangeiro ou internacional. Tal entendimento era adotado pelo STF inclusive quanto às extradições passivas executórias que julgava em que o extraditando tivera sido condenado à pena de prisão perpétua por tribunal estrangeiro, não exigindo o STF qualquer comutação da pena. Logo, não haveria inconstitucionalidade na ratificação do Estatuto pelo Brasil.
Entretanto, em 2004 o STF mudou seu entendimento ao julgar a Extradição n.º 855, impondo como condição para a extradição passiva executória de extraditando condenado no exterior à pena de prisão perpétua a comutação da pena em penas de, no máximo, 30 anos de reclusão para cada crime, nos termos de nossa legislação penal interna.
Quanto às regras brasileiras relativas às imunidades em geral e às prerrogativas de foro por exercício de função, não são elas impeditivas do julgamento de pessoa titular de tais imunidades ou prerrogativas pelo TPI, pois o próprio Estatuto estabelece que tais imunidades ou prerrogativas não lhe são oponíveis. Aqui a questão é resolvida pelo critério da especialidade: as imunidades e prerrogativas são regras gerais excepcionadas por uma regra mais específica, que diz que elas não se aplicam no âmbito do TPI.
O Estatuto previu expressamente o respeito aos princípios da reserva legal e da anterioridade da norma penal, pelo que não há antinomia entre a Constituição Federal e o Estatuto nesta matéria.
Outra questão de aparente conflito entre a Constituição Federal e o Estatuto é a possibilidade da TPI julgar pessoas que já tenham sido absolvidas pelo Judiciário brasileiro, com trânsito em julgado, quando entender que o processo criminal que redundou na absolvição tenha tido por objetivo subtrair o acusado à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal ou não tenha sido conduzido de forma independente ou imparcial, em conformidade com as garantias de um processo eqüitativo reconhecidas pelo direito internacional, ou tenha sido conduzido de uma maneira que, no caso concreto, se revele incompatível com a intenção de submeter a pessoa à ação da justiça. Neste caso, haveria violação da proteção à coisa julgada material, garantia constitucional. Para parte da doutrina, o princípio da complementaridade resolve a questão.
Da mesma forma, a possibilidade do Tribunal reexaminar questões já examinadas em última instância pelo Judiciário brasileiro, tal qual previsto no artigo 17 do Estatuto, parece violar a mesma garantia da proteção à coisa julgada material. Para parte da doutrina, vale aqui o mesmo raciocínio feito quando da apreciação do problema da pena de prisão perpétua: a vedação constitucional vale apenas para o legislador interno brasileiro, não podendo vincular o legislador internacional.

Roteiro baseado em sua maior parte em MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 545 - 573.

Roteiros de Aula - Aula 13 – Proteção Internacional dos Direitos Humanos – Sistemas da ONU e Interamericano

Antes da Carta da ONU (1945) já existiam normas que podiam ser consideradas, em parte, como de proteção dos direitos humanos. Entretanto, é a partir da Carta da ONU que surge uma normatização específica visando a proteção dos indivíduos na sua condição de seres humanos.
A Carta da ONU fala genericamente dos direitos humanos, sem defini-los, o que não significa que eles sejam meras declarações de princípios sem força normativa. Tais direitos são obrigatórios.
A definição do rol de direitos humanos e liberdades fundamentais de que fala a Carta da ONU só foi feita três anos depois, com o advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que faz a positivação internacional de um rol mínimo de direitos dos seres humanos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 traz em seu bojo um rol de direitos humanos de 1.ª e 2.ª dimensão, ignorando os direitos humanos das demais dimensões e não instituindo qualquer órgão internacional com competência para zelar pelos direitos que estabelece.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 não é um tratado, sendo apenas uma resolução da Assembléia Geral da ONU. Entretanto, ela faz a interpretação autêntica da expressão “direitos humanos e liberdades fundamentais” constante da Carta da ONU, aquela sim tratado multilateral obrigatório para todos os seus membros. Para alguns autores, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 integra mesmo a Carta da ONU, justamente por fazer tal interpretação, sendo também obrigatório para todos os membros da ONU. Em 1980, a CIJ entendeu que a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 constitui norma costumeira de Direito Internacional Público, sendo, por esse viés, obrigatória. Pode-se dizer ainda, seguindo o raciocínio da CIJ, que sendo a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 norma costumeira de Direito Internacional Público, é ela norma de jus cogens.
Muitos objetam que os direitos humanos fixados nas cartas internacionais refletem o pensamento e a moral ocidental, e sendo a moral relativa, a universalização dos direitos humanos corresponderia a uma imposição da moral ocidental sobre todos os países. Tal tema foi discutido na II Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena de 1993, sendo a citada objeção defendida principalmente por Estados asiáticos e mulçumanos. Ao final da Conferência, a tese da universalização saiu vencedora, entendendo-se que as circunstâncias culturais não podem servir de justificativa para violação dos direitos humanos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 teve grande impacto, servindo de fonte para vários tratados internacionais de direitos humanos posteriores, bem como para a Constituição Federal de 1988, que copiou literalmente alguns de seus dispositivos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 vem sendo ainda utilizada como fundamento de algumas decisões judiciais brasileiras.
Como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 não é tratado internacional, nem previu formas pelas quais os indivíduos que tivessem seus direitos humanos violados pudessem vindicá-los, surgiu a preocupação de dar uma dimensão técnico-jurídica à Declaração. Tal veio com a adoção do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos aprovados pela Assembléia Geral da ONU em Nova Iorque em 16 de dezembro de 1966.
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos entrou em vigor em 23 de março de 1976, três meses após a data do depósito do trigésimo quinto instrumento de ratificação, nos termos do seu artigo 49, § 1.º. Seu rol de direitos civis e políticos é mais amplo que o da própria Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, além de ser mais rigoroso na afirmação da obrigação dos Estados em respeitar os direitos nele consagrados.
O Protocolo Facultativo Relativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos faculta ao Comitê de Direitos Humanos, criado pelo Pacto, o recebimento de petições de indivíduos reportando violações de seus direitos humanos, cristalizando a posição do indivíduo como sujeito de Direito Internacional Público. Para que tal petição seja examinada, é necessário que a questão nela discutida não esteja sendo examinada perante uma outra instância internacional de investigação ou solução; e que o indivíduo em questão tenha esgotado todos os recursos jurídicos internos disponíveis (não sendo aplicável esta regra quando a aplicação dos mencionados recursos se prolongar injustificadamente).
O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais também traz um elenco de direitos muito mais amplo e mais bem elaborado que o elenco da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
As normas do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais são de natureza programática, ou seja, pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais os Estados reconhecem direitos aos cidadãos, não estando tais direitos desde já garantidos, ao contrário das normas do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Por isso, alguns autores defendem que os direitos elencados no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais não podem ser acionáveis perante cortes ou instâncias internacionais. Entretanto, entendem outros autores que tais direitos podem ser sim acionáveis.
Além do sistema global de direitos humanos, existem sistemas regionais, como o europeu e o africano, dentre os quais merece destaque o sistema interamericano, composto de quatro tratados: a Carta da Organização dos Estados Americanos de 1948, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948, que assim como a Declaração Universal dos Direitos Humanos não tem natureza jurídica de tratado, a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (Pacto de San José da Costa Rica) e o Protocolo Adicional à Convenção Americana em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1988 (Pacto de San Salvador).
A Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 traz um rol de direitos civis e políticos, mas não faz qualquer menção à direitos de 2.ª dimensão. Para a garantia de tais direitos é que foi firmado o Protocolo Adicional à Convenção Americana em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1988. A Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 enumera em sua Parte II os meios de se alcançar a proteção dos direitos que elenca.
Para proteção e monitoramento dos direitos que estabelece, a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 vem integrada por dois órgãos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é órgão da Organização dos Estados Americanos, mas também é órgão da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969. Ela representa todos os Estados-membros da OEA e tem como principal função a de promover a observância e a defesa dos direitos humanos. É composta por sete membros eleitos para um mandato de quatro anos, permitida uma reeleição, sendo vedada a participação de dois ou mais nacionais de um mesmo país ao mesmo tempo na Comissão. Uma das principais competências da Comissão é a de examinar petições individuais que reportem violações de direitos constantes na Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969. Para que tais petições sejam examinadas, é necessário que: a) tenham sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna do Estado violador; b) a petição seja apresentada em seis meses a partir da data em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva; c) a matéria da petição ou comunicação não esteja pendente de outro processo de solução internacional.
A Comissão processará a petição nos termos dos artigos 48 a 51 da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969. Ao fim do procedimento, emitirá um relatório (primeiro informe), com suas conclusões. Caso ela tenha concluído pela ocorrência de violação de direitos humanos, fará recomendações. Caso o Estado violador não siga as recomendações nem resolva o problema de outra forma, estando o peticionário de acordo e o Estado submetido à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o caso é a ela submetido. Se no prazo de três meses do primeiro informe o assunto não estiver resolvido nem tiver sido submetido à Corte, a Comissão emitirá um segundo informe, fazendo as recomendações pertinentes e estabelecendo um prazo para que o Estado as cumpra. Se o Estado não as cumprir, a Comissão poderá acionar a Assembléia Geral da OEA para que tome medidas sancionatórias contra o Estado.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos é órgão apenas da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, e tem competência consultiva e contenciosa. Ao ratificar ou aderir à Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, os Estados automaticamente submetem-se à jurisdição consultiva da Corte, mas não à jurisdição contenciosa, à qual poderão submeter-se por ato a posteriori. A Corte tem sede em San José da Costa Rica, é composta por sete juízes eleitos para um período de seis anos, permitida uma reeleição, sendo vedada a participação de dois ou mais nacionais de um mesmo país ao mesmo tempo na Corte. O quorum para deliberações da Corte é de cinco juízes. A Corte, no exercício de sua competência contenciosa, profere sentenças.
Um Estado pode ser processado perante a Corte por um outro Estado ou pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, como referido acima. O processo dar-se-á nos termos do Regulamento da Corte. As sentenças são de observância obrigatório pelos Estados-partes, embora a Corte não disponha de um sistema eficaz de execução das sentenças da Corte no ordenamento jurídico interno dos Estados por ela condenados.
As sentenças da Corte independem de homologação pelo STJ para serem executadas no Brasil, pois dependem de homologação apenas as sentenças estrangeiras, e não as proferidas por Cortes internacionais.
Em caso de condenação da Corte a pagamento de indenização pecuniária, o Estado deverá obedecer ao disposto pelo seu Direito interno quanto à execução da sentença em face do Estado (no Brasil, sujeitando-se inclusive ao sistema de precatórios).

Roteiro baseado em sua maior parte em MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 516 - 543.

Roteiros de Aula - Aula 12 – Proteção Internacional dos Direitos Humanos

Os inúmeros documentos internacionais que visam à proteção dos direitos humanos o fazem independentemente de qualquer condição (raça, cor, sexo, língua, religião, etc.). Basta a condição de ser humano para fazer jus aos direitos humanos.
Importante fazer a seguinte distinção:
a) direitos do homem: cunho jusnaturalista. Série de direitos naturais aptos à proteção global do homem;
b) direitos fundamentais: direitos do homem positivados nas Constituições;
c) direitos humanos: direitos do homem positivados nos costumes ou tratados internacionais de proteção aos direitos humanos.
A Constituição Federal distingue os termos acima com absoluta precisão técnica. LER artigo 5.º, § 1.º (chama de direitos fundamentais os direitos nela estabelecidos), § 3.º (chama de direitos humanos os estabelecidos em tratados internacionais) e § 2.º (ao referir-se tanto a ela própria como aos tratados, não utilizou-se nem da expressão “direitos humanos” nem da expressão “direitos fundamentais”).
Os direitos humanos retiram sua validade da dignidade da qual toda e qualquer pessoa é portadora. Derivam de três princípios básicos:
a) inviolabilidade da pessoa: ninguém pode ser sacrificado em benefício de outras pessoas;
b) autonomia da pessoa: toda pessoa é livre para a realização de qualquer conduta, desde que seus atos não prejudiquem terceiros;
c) dignidade da pessoa: todas as pessoas devem ser julgadas apenas por seus atos, e não por outras características suas não atingíveis por seus atos (como cor, raça, etc.).
São características dos direitos humanos:
a) historicidade: os direitos humanos são direitos que se vão construindo com o decorrer do tempo;
b) universalidade: todos os seres humanos são titulares dos direitos humanos;
c) essencialidade: os direitos humanos são essenciais por natureza;
d) irrenunciabilidade: ninguém pode renunciar a um direito humano seu;
e) inalienabilidade: ninguém pode alienar um direito humano seu;
f) inexauribilidade: os direitos humanos não se exaurem, podendo sempre surgir novos;
g) imprescritibilidade: os direitos humanos podem ser exercidos a qualquer tempo;
h) vedação do retrocesso: é vedado aos Estados proteger os direitos humanos menos do que já protegem.
Gerações ou Dimensões dos Direitos Humanos:
a) primeira: liberdade, direitos civis e políticos;
b) segunda: igualdade, direitos sociais, econômicos e culturais;
c) terceira: fraternidade, direito ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade;
d) quarta: resultante da globalização dos direitos humanos, direito à democracia, à informação e ao pluralismo.
FALAR sobre críticas ao sistema geracional de direitos.
FALAR sobre a gênese do direito internacional dos direitos humanos.
Embora parte da doutrina (incluindo o Prof. Mazzuoli) sempre tivesse entendido que os tratados sobre direitos humanos ratificados pelo Brasil têm status de norma constitucional, o STF majoritariamente decidia que tais tratados tinham status de lei ordinária. Para resolver tal impasse, foi incluído um § 3.º no artigo 5.º da Constituição Federal, para dizer que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Tal dispositivo deixou algumas dúvidas: a) o Congresso Nacional poderia, eventualmente, ratificar tratados sobre direitos humanos pelo procedimento ordinário, por maioria simples? Neste caso, qual o status destes tratados no direito interno brasileiro? Lei ordinária? b) Qual o status dos tratados sobre direitos humanos ratificados pelo Congresso Nacional antes da edição da EC 45? Lei ordinária? Estes tratados poderão passar por um novo procedimento de aprovação pelo Congresso Nacional para que, seguindo-se o rito previsto no citado § 3.º, possam ser alçados ao status de emenda constitucional? c) Em que momento do processo de celebração de tratados tem lugar o novo § 3.º do artigo 5.º da Constituição Federal? Ele pode se dar na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio sem afrontar o artigo 60, § 1.º, da Constituição Federal? A esta última pergunta, a resposta parece ser sim.
Quanto ao momento do processo de celebração de tratados em que tem lugar o novo § 3.º do artigo 5.º da Constituição Federal, pode-se aventar duas hipóteses:
a) o tratado seria assinado, referendado e ratificado pelo procedimento tradicional, tendo lugar o rito do novo § 3.º quando, posteriormente à entrada em vigor do tratado na esfera internacional, quisesse o Congresso Nacional dar a este tratado status de emenda constitucional. Este entendimento tornaria possível que tratados de direitos humanos ratificados anteriormente à edição da EC 45 pudessem ser alçados ao status de emenda constitucional.
b) o rito previsto no novo § 3.º ocorreria na fase de referendo do Congresso Nacional ao tratado. Neste caso, deve ficar claro que tal tratado só terá status de emenda constitucional após ser ratificado e entrar em vigor na esfera internacional.
O novo § 3.º do artigo 5.º da Constituição Federal não conflita com o entendimento de parte da doutrina que os tratados sobre direitos humanos ratificados pelo Brasil têm status de norma constitucional, ainda que não submetidos ao rito previsto no novo § 3.º, por força do § 2.º do mesmo artigo, nem confirma o entendimento prevalecente no STF. É que ter status de norma constitucional é diferente de ter status de emenda constitucional. Enquanto aquela não reforma a Constituição Federal, esta altera o texto constitucional, podendo revogar dispositivos com ela conflitantes. Neste caso, um tratado internacional de direitos humanos menos protetivo que a Constituição Federal não poderia ser atribuído de status de emenda constitucional, pois estaria violando cláusula pétrea da Constituição Federal. Porém, considerando-se apenas que tais tratados têm status de norma constitucional, seriam eles materialmente constitucionais, embora formalmente não o fossem. Desta forma, em caso de conflito com norma formalmente constitucional, dever-se-ia aplicar a norma mais protetiva, fosse ela a convencional ou a formalmente constitucional.
No mesmo norte, os tratados a que se atribuir status de emenda constitucional não poderão ser denunciados, pois passarão a ser cláusulas pétreas da Constituição, e denunciá-los equivaleria a violar tais cláusulas.
Os tratados sobre direitos humanos terão aplicação imediata no Brasil após sua ratificação e entrada em vigor na esfera internacional, por força do § 1.º do artigo 5.º da Constituição Federal, que diz que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Tal dispositivo não diferencia a fonte de tais normas, pelo que se infere que, de onde quer que elas provenham, terão aplicação imediata.
Várias constituições latino-americanas reconhecem o status de norma constitucional aos tratados sobre direitos humanos, com destaque para a Constituição da República Bolivariana da Venezuela de 1999 que prevê em seu artigo 23 que “os tratados, pactos e convenções relativos a direitos humanos, assinados e ratificados pela Venezuela, têm hierarquia constitucional e prevalecem na ordem interna, na medida em que contenham normas sobre seu gozo e exercício mais favoráveis às estabelecidas por esta Constituição e pelas leis da República, e são de aplicação imediata e direta pelos tribunais e demais órgãos do Poder Público”.

Roteiro baseado em sua maior parte em MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 479 - 513.

Roteiros de Aula - Aula 11 – Domínio Público Internacional

Não se pode confundir direito do mar com direito marítimo. Este regulamenta as atividades privadas da navegação, enquanto aquele faz a regulamentação jurídica do mar.
O direito do mar foi codificado na ordem internacional pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982, conhecida como Convenção de Montego Bay. Ela classifica as águas e mares internacionais em várias espécies:
a) águas interiores: para o Direito Internacional Público, são as águas que se encontram aquém da linha de base ou de partida do mar territorial, enquanto que geograficamente são as águas cercadas de terras por todos os lados. Pelo último conceito, as águas interiores só interessariam ao Direito Internacional Público se estivessem cercadas por terras de Estados diferentes. As águas interiores fazem parte do território nacional, onde o Estado exerce ilimitadamente sua soberania;
b) mar territorial: faixa de 12 milhas marítimas (Convenção de Montego Bay e art. 1.º da Lei n.º 8.617/93) a partir da costa do Estado, onde o Estado exerce sua soberania, inclusive no espaço aéreo correspondente, no leito e no subsolo desta faixa. No mar territorial, a soberania exercida pelo Estado é limitada pelo direito de passagem inocente, que permite que navios de outros Estados passem por tais águas com o objetivo de atravessá-las, sem penetrar nas águas interiores ou fazer escala em ancoradouro ou porto, sem que possam ser impedidas pelo Estado costeiro, desde que a passagem seja contínua a breve;
c) zona contígua: faixa de alto mar (ou seja, fora do território do Estado) que se inicia imediatamente após o limite do mar territorial e, em princípio de mesma largura, sobre a qual o Estado costeiro tem o direito de tomar as medidas de fiscalização (aduaneira, fiscal, sanitária, de imigração, de segurança e de conservação e exploração das riquezas animais e minerais) que julgar convenientes na defesa de seu território;
Estreitos são acidentes geográficos naturais que fazem comunicar dois mares entre si. A Convenção de Montego Bay reconhece o direito de passagem inocente nos estreitos.
Canais internacionais são vias artificiais de passagem e comunicação, criadas por meio do trabalho humano, que unem duas águas através do território de um Estado para facilitar a navegação entre dois mares. Tais canais estão, em princípio, sujeitos à exclusiva soberania do Estado em cujo território se encontram, não se lhes aplicando o direito de passagem inocente.
Estados Arquipélagos são Estados constituídos totalmente por um ou vários arquipélagos, podendo incluir outras ilhas. As águas arquipelágicas são aquelas compreendidas dentro de linhas retas que unam os pontos extremos das ilhas mais exteriores e dos recifes emergentes do arquipélago. Estas águas estão sujeitas ao direito de passagem inocente, podendo o Estado suspender este direito por razões de segurança.
Navio é toda construção humana destinada à navegação capaz de transportar pessoas ou coisas. O navio público está sujeito às leis do Estado de sua bandeira em qualquer lugar em que se encontre. O navio privado está sujeito às leis do Estado em cujas águas se encontre, estando sujeito às leis do Estado de sua bandeira quando se encontrar em alto mar.
A Zona Econômica Exclusiva é a área marítima situada entre o mar territorial e o limite máximo de 200 milhas marítimas contadas da mesma linha base do mar territorial, onde o Estado costeiro pode exercer sua soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não vivos das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo. A Zona Econômica Exclusiva tem natureza jurídica sui generis, pois não se confunde com o alto mar nem com o mar territorial. Na Zona Econômica Exclusiva, terceiros Estados gozam das liberdades de navegação, sobrevôo e de colocação de cabos e ductos submarinos, alem de outros usos do mar internacionalmente lícitos.
Plataforma continental é a planície submersa adjacente à costa que se estende a determinada distância a partir da terra, a partir da qual o leito do mar baixa abruptamente para as grandes profundidades da região abissal (borda exterior da margem continental). Se a borda exterior da margem continental estiver localizada antes do limite de 200 milhas da costa, considerar-se-á que a plataforma continental vai até 200 milhas. Se estiver depois de 350 milhas, considerar-se-á que a plataforma continental vai até 350 milhas da costa. São exclusivos os direitos do Estado costeiro sobre sua plataforma, para fins de exploração e aproveitamento dos recursos naturais, não podendo quaisquer outros Estados exercer qualquer domínio sobre ela, não se impedindo, entretanto, que outros Estados utilizem a plataforma continental de um Estado para ali colocar cabos e dutos submarinos.
O leito do mar na região dos fundos marinhos é chamado pela Convenção de Montego Bay de Área, que é considerada um espaço internacional que não está sujeita à soberania territorial de qualquer Estado. Os recursos minerais da Área, que são abundantes, são considerados patrimônio comum da humanidade e não podem ser apropriados por qualquer Estado ou particular. A Área é administrada pela Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, que regula as formas de exploração dos recursos da Área, de conformidade com as disposições da Convenção de Montego Bay.
Rios internacionais são aqueles que banham, simultânea ou sucessivamente, terras de dois ou mais Estados soberanos. O regime jurídico dos rios internacionais pode ser resumido na vedação a que um Estado ribeirinho cometa atos que possam prejudicar a utilização do rio internacional pelos outros Estados ribeirinhos.
O alto mar compreende todas as partes marinhas não incluídas na zona econômica exclusiva, no mar territorial ou nas águas interiores de um Estado, nem as águas arquipelágicas de um Estado Arquipélago. O alto mar não é res nullius, mas bem de uso comum da humanidade. Seu regime jurídico é norteado pelo princípio da liberdade do alto mar (obedecendo, claro, a disciplina das regras de Direito Internacional Público), incluindo a liberdade de navegação e sobrevôo, a liberdade de pesca (inclusive para os Estados sem litoral) e a liberdade de colocar cabos e dutos submarinos. Os Estados sem litoral têm assegurado, pela Convenção de Montego Bay, o acesso ao alto mar, devendo firmar acordos bilaterais com o Estado costeiro por onde precisará passar para acessar o mar (Estado de transito) visando regular a passagem. Os Estados têm o dever de tomar todas as providências para zelar pela segurança e licitude dos atos dos navios de sua bandeira, bem como exercer efetivamente sua jurisdição sobre eles. A Convenção de Montego Bay veda o tráfico de escravos em alto mar, bem como estabelece que os Estados deverão cooperar para reprimir o tráfico de entorpecentes no alto mar e as transmissões não autorizadas de rádio e televisão oriundas de alto mar.
Os Estados detêm todos os direitos de soberania sobre o espaço aéreo acima de seu território respectivo e de seu mar territorial. Não existe, relativamente ao espaço aéreo, o direito de passagem inocente, devendo ser a passagem pelo espaço aéreo de um Estado autorizada por este.
As aeronaves podem ser públicas ou privadas. As aeronaves privadas (incluídas aquelas de propriedade de um Estado, mas utilizadas para fins comerciais) estão sujeitas à jurisdição do Estado em cujo solo ou espaço aéreo se encontrem, estando sujeitas à jurisdição do Estado de sua nacionalidade (bandeira) caso se encontrem no espaço aéreo onde nenhum Estado exerce sua soberania (como, por exemplo, o correspondente ao alto mar e ao Pólo Norte). As aeronaves públicas estão sujeitas à jurisdição do Estado de sua nacionalidade onde quer que se encontrem. Cada aeronave só pode ter uma nacionalidade.
O espaço extra-atmosférico é objeto do Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, inclusive a Lua, e demais Corpos Celestes, de 1967. Tal tratado coloca o espaço extra-atmosférico como bem de uso comum da humanidade (res communis), dispondo que todos os Estados podem utilizar e explorar livremente o espaço extra-atmosférico para fins pacíficos. Entretanto, segundo o mesmo tratado, o espaço extra-atmosférico, bem como a Lua e demais corpos celestes, não poderão ser objeto de apropriação por um Estado por qualquer meio.
Diversas teorias surgiram para tentar definir o limite entre o espaço aéreo e o espaço extra-atmosférico. Na prática, pode-se estabelecer como limite funcional do espaço aéreo nacional a altitude máxima alcançada pelas aeronaves modernas (37.650 metros pelo MIG-25 em 31 de agosto de 1977). Entretanto, países equatoriais, liderados pela Colômbia, entendem que a órbina geoestacionária (altitude em que os satélites artificiais localizam-se, sobre a linha do Equador), localizada a 35.871 km de altitude, faz parte de seu espaço aéreo (o Brasil participou da reunião em que tal entendimento foi firmado, mas não assinou a Ata Final). Esta tese, que visava reivindicar a estes Estados soberania sobre os satélites artificiais, encontrou fortes opositores, principalmente a antiga URSS, para os quais a órbita geoestacionária faz parte do espaço extra-atmosférico.

Roteiro baseado em sua maior parte em MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 438 - 477.

terça-feira, 5 de junho de 2007