sexta-feira, 30 de março de 2007

Roteiros de aula - Aula 4 – Sujeitos de Direito Internacional Público - Estado

Sujeitos de Direito Internacional Público são todos aqueles entes ou entidades cujas condutas estão diretamente previstas pelo Direito Internacional Público e que têm a possibilidade de atuar, direta ou indiretamente, no plano internacional. Deste conceito, retira-se duas conotações da qualificação jurídica de sujeito de Direito Internacional Público:
a) passiva: sujeito de Direito Internacional Público é o destinatário da norma de Direito Internacional Público;
b) ativa: sujeito de Direito Internacional Público tem capacidade para atuar no plano internacional.
Da conotação ativa nasce o conceito de personalidade jurídica no plano internacional, que é a capacidade para agir internacionalmente. O fato de não ter capacidade para participar do processo de formação das normas de Direito Internacional Público não retira a personalidade jurídica internacional de um ente, mas apenas limita sua atuação, como acontece com os indivíduos.
Os sujeitos de Direito Internacional Público podem ser classificados em:
a) Estados;
b) Coletividades Interestatais;
c) Coletividades Não-estatais;
d) Indivíduos.
O Estado foi o primeiro elemento que surgiu na sociedade internacional, sendo os únicos sujeitos de Direito Internacional Público até o início do século XX. Por isso, os Estados são chamados de sujeitos clássicos ou originários de Direito Internacional Público.
Alguns autores sustentam que os demais sujeitos de Direito Internacional Público são derivados do Estado. Assim, as coletividades e os indivíduos têm sua personalidade jurídica internacional derivada da personalidade dos Estados que as compõe e à cuja condição jurídica pertencem, respectivamente. Entretanto, tal doutrina não explica como certas ordens religiosas e movimentos de libertação nacional podem, eventualmente, ser sujeitos de Direito Internacional Público.
Estado não se confunde com Nação (da qual é a organização jurídico-política), nem com povo ou grupo de pessoas.
Os Estados são juridicamente iguais para o Direito Internacional Público.
As coletividades interestatais são formadas pelas Organizações Internacionais, criadas por acordos constitutivos e que têm personalidade jurídica distinta das de seus membros. Sua existência deriva de seu tratado constitutivo.
As coletividades não-estatais podem ser classificadas em:
a) beligerantes;
b) insurgentes;
c) movimentos de libertação nacional;
d) Soberana Ordem Militar de Malta.
Beligerantes são movimentos armados da população, politicamente organizados, que utilizem a luta armada (a ponto de constituir guerra civil) para fins políticos. Quando tais grupos mostram ter força suficiente para possuir e exercer poderes similares ao do Estado contra o qual se rebelam, inclusive controlando partes do território do Estado, a sociedade internacional pode reconhecer sua condição de beligerantes, atribuindo-lhes status de Estado, inclusive para submetê-los aos tratados sobre guerra.
Insurgentes são grupos sublevados dentro de um Estado que visam a tomada do poder, cuja luta atinge certo grau de efetividade, sem, no entanto, constituir guerra civil ou zona livre. Os direitos e deveres dos insurgentes dependem do que lhes é atribuído pelos Estados que os reconhecem.
Movimentos de libertação nacional são movimentos que visam à independência de povos. Sua personalidade jurídica dá-se em três âmbitos: no direito humanitário, no direito dos tratados e nas relações internacionais. O maior exemplo de movimento de libertação nacional é a OLP, reconhecida pela ONU como representante do povo palestino junto a si e seus órgãos, diante dos quais a OLP age na qualidade de observadora, com direito de voz e não de voto.
A Soberana Ordem Militar de Malta é uma comunidade monástica, localizada em Roma, que embora tenha uma Constituição na qual se diz soberana e sujeito de Direito Internacional Público, e mantenha “relações diplomáticas” com mais de 90 Estados, inclusive o Brasil, não é reconhecida pela comunidade internacional como Estado soberano, por funcionar em estreita dependência da Santa Sé.
O Estado da Cidade do Vaticano teve sua condição de Estado reconhecida pelos tratados de Latrão de 1929. A Santa Sé, instituição máxima da Igreja Católica, não se confundo com o Estado do Vaticano. Entretanto, formam um só ente jurídico, pois o última está submetido ao poder da primeira.
O território do Vaticano encontra-se dentro da cidade de Roma, configurando o enclave.
O Vaticano é um Estado sem o elemento pessoal, qual seja, o povo, já que possui apenas cidadãos e não nacionais. Aqueles que possuem a cidadania vaticana não perdem sua nacionalidade originária.
O Vaticano tem capacidade para firmar tratados, como Estado que é, mas não faz parte da ONU nem fez parte da Liga das Nações.
Os tratados concluídos com a Santa Sé sobre matéria religiosa e que prevêem privilégios para católicos são chamados de concordatas. O Brasil, por ser um Estado laico, não pode celebrá-las sem ofender sua ordem constitucional.
O Brasil mantém relações diplomáticas com o Vaticano, embora muitos considerem isso inconstitucional. Outros, entretanto, entendem que não há inconstitucionalidade por ser o Vaticano um Estado como outro qualquer.
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha é uma organização independente e neutra que tem por fim proporcionar proteção e assistência às vítimas da guerra e da violência armada. Embora a Suíça e outros Estados atribuam a tal comitê personalidade jurídica internacional, tal personalidade é, na verdade, uma pseudo personalidade, já que a Cruz Vermelha é uma entidade de direito privado, caracterizando-se como organização internacional não-governamental, não se confundindo com as Organizações Internacionais. Logo, o comitê não pode celebrar tratados com Estados ou Organizações Internacionais.
Alguns autores vêm considerando os indivíduos como sujeitos de Direito Internacional Público por terem eles conquistado, no século XX, principalmente com o desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos, direitos reconhecidos na ordem internacional, inclusive com instrumentos processuais que permitem a eles ingressar diretamente em instâncias internacionais, como por exemplo, a Convenção Européia de Direitos Humanos de 1950. Reconheceu-se, ainda, poderem ser os indivíduos responsabilizados internacionalmente por crimes de guerra e genocídio. Por poderem participar das relações internacionais contemporâneas tanto no pólo ativo como no passivo, reconhecem-se os indivíduos como sujeitos de Direito Internacional Público. Reforçam esta idéia o Tribunal de Nuremberg e os tribunais ad hoc criados pela ONU, em 1993 e 1994, para julgar os crimes cometidas na ex-Iugoslávia e em Ruanda, e o Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional.
Além dos sujeitos formais de Direito Internacional Público, é de indagar da existência de sujeitos não-formais que, apesar de se situarem à margem do Direito Internacional Público formal, participam de modo não regulamentado da cena internacional. Embora o presente estágio de desenvolvimento do Direito Internacional Público não permite uma certeza científica acerca destes sujeitos, pode-se falar de dois deles como os mais importantes: as empresas transnacionais e a mídia global.
Empresas transnacionais são aquelas que têm representações ou filiais em vários países. Já multinacionais são empresas cujo capital provenha de mais de um Estado, podendo ser bilaterais (quando o capital é proveniente de dois países) ou multilaterais (quando o capital é proveniente de três ou mais países). Tais empresas não podem celebrar nem tratados nem exercer outros direitos de sujeitos do Direito Internacional Público, mas, na prática, celebram muitos acordos com países que, apesar de não serem regidos pelo Direito Internacional Público, permitem que tais empresas sejam consideradas sujeitos não-formais de Direito Internacional Público. Além disso, o NAFTA deu a estas empresas capacidade postulatória internacional, outorgando de fato a tais empresas direitos inerentes à condição de Estado.
Sobre a mídia global, embora seja verdade que ela exerce enorme influência no mundo atual, por ser ainda um conceito abstrato e despersonalizado, pode-se dizer que a ela ainda não é possível atribuir o status de sujeito não-formal de Direito Internacional Público.

Estado

Segundo o prof. Mazzuoli, Estado é “um ente jurídico, dotado de personalidade internacional, formado de uma reunião (comunidade) de indivíduos estabelecidos de maneira permanente em um território determinado, sob a autoridade de um governo independente e com a finalidade precípua de zelar pelo bem comum daqueles que o habitam” (Curso, p. 178). De acordo com esta definição, quatro são os elementos do Estado:
a) povo;
b) território;
c) governo;
d) finalidade.
A doutrina clássica não inclui a finalidade entre os elementos do Estado.
Há quem inclua entre os elementos do Estado a capacidade para manter relações com outros Estados, como fez a Convenção Panamericana sobre Direitos e Deveres dos Estados, em seu art. 1.º (LER em MAZZUOLI, Curso, p. 178).
O primeiro elemento é formado pela comunidade de indivíduos que habite permanentemente o território com ânimo definitivo, independentemente da eventual união por laços comuns. É o elemento humano do Estado.
Há que se distinguir povo, que é o conjunto dos nacionais, natos e naturalizados, de população, que é o povo mais os estrangeiros e apátridas.
O princípio das nacionalidades propõe que o Estado é o conjunto de indivíduos unidos por laços comuns (raça, idioma, etc.). Tal princípio levou a regimes totalitários e racistas. Hoje defende-se que o Estado é formado pela comunidade de indivíduos que habite permanentemente o território com ânimo definitivo.
Diferença entre Nação e Estado. Nação é a comunidade moldada por uma origem, uma cultura, uma história e uma ideologia comuns, constituída por pessoas de mesma ascendência, ainda não organizada na forma de Estado. Já este é o órgão controlador criado pela Nação e que a personifica.
O segundo elemento é o território fixo e determinado, que corresponde à fração do planeta em que o Estado se assenta com sua população, delimitada por faixas de fronteiras formadoras dos limites. É o elemento material, base física ou âmbito espacial do Estado. Sobre este território o Estado exercerá sua soberania em duplo aspecto:
a) imperium: exercício de jurisdição sobre a grande massa daqueles que nele se encontram;
b) dominium: regência do território, por sua própria e exclusiva vontade.
O direito que o Estado tem sobre seu território exclui que outros entes exerçam ali qualquer tipo de poder e lhe atribui amplíssimo direito de uso, gozo e disposição.
O território inclui:
a) o solo, dentro de seus limites reconhecidos;
b) o subsolo e as regiões separadas do solo;
c) os rios, lagos e mares interiores;
d) os golfos, baías e portos;
e) a faixa de mar territorial e a plataforma submarina, para os Estados que têm litoral;
f) o espaço aéreo correspondente ao solo.
O território não precisa estar perfeitamente demarcado para ser elemento do Estado. Basta que haja um mínimo de estabilidade territorial e sua delimitação.
Hugo Grotius defendia que a embaixada era uma extensão do território do seu Estado. Esta teoria, chamada de teoria da extraterritorialidade, que depois foi estendida também aos navios e aeronaves militares, foi sendo abandonada hodiernamente. Tais locais gozam apenas de imunidade de jurisdição em relação ao Estado acreditante, mas continuam sendo parte de seu território (os navios e aeronaves militares quando ali estejam).
O governo autônomo e independente é o elemento político do Estado e pode ser definido como aquele capaz de decidir de modo definitivo dentro do território estatal, não admitindo a ingerência de nenhuma outra autoridade exterior (função interna), bem como participar da arena internacional e de conduzir sua política externa (função externa).
O conceito de governo autônomo e independente leva à idéia de Estado soberano. Soberania é o poder supremo que não reconhece outro acima de si (suprema potestas superiorem non recognoscens). Hoje já não se pode falar em soberania absoluta dos Estados, enquanto poder ilimitado e ilimitável, já que a soberania hoje encontra limites nas próprias regras de Direito Internacional Público. Modernamente se entende soberania como:
a) o poder que o Estado tem de impor e resguardar, dentro das fronteiras de seu território e em último grau, as suas decisões (soberania interna);
b) a faculdade que o Estado detém de manter relações com Estados estrangeiros e de participar das relações internacionais, em pé de igualdade com os outros atores da sociedade internacional (soberania externa).
Tal governo autônomo e independente deve ter autocapacidade, ou seja, atuar com liberdade interna e internacionalmente.
Os Estados que têm um governo autônomo, independente e com autocapacidade, têm soberania (ou capacidade internacional) plena.
A finalidade é o elemento social do Estado. Não é reconhecido por toda a doutrina. Traduz-se na idéia de que o Estado deve perseguir uma finalidade, que deve ser o bem comum dos indivíduos que o compõe.
A formação dos Estados, que ocorre quando seus elementos constitutivos se integram, interessa ao Direito Internacional Público por suas conseqüências no plano internacional. Tal integração leva à soberania.
A formação dos Estados, faticamente, pode se dar por:
a) Fundação direta: consistente no estabelecimento permanente de uma população em um dado território sem dono (res nullius), com a instituição de um governo organizado e permanente;
b) Emancipação: por meio do qual um Estado se liberta de ser dominante ou do jugo estrangeiro, seja de forma pacífica, seja em virtude de rebelião;
c) Separação ou desmembramento: ocorre quando um Estado se separa ou se desmembra, para dar lugar à formação de outros. Chama-se secessão o desmembramento estranho à processo de descolonização, retirando daí sua diferença com a emancipação.
d) Fusão: por meio do qual um Estado-núcleo absorve dois ou mais Estados, reunindo-os em um só ente para a formação de um só Estado, ou ainda pela junção de territórios formando um Estado novo.
Por atos jurídicos, um Estado pode se formar por:
a) uma lei interna;
b) um tratado internacional (Irlanda, 1921);
c) decisão de um organismo internacional (Israel, 1947).
Surgido o novo Estado, surge o problema de seu reconhecimento. O reconhecimento de um Estado é o “ato livre pelo qual um ou mais Estados reconhecem a existência, em um território determinado, de uma sociedade humana politicamente organizada, independente de qualquer outro Estado existente e capaz de observar as prescrições do Direito Internacional”.
O reconhecimento do Estado tem dupla característica:
a) demonstra a existência do Estado como sujeito de Direito Internacional Público;
b) constata que o Estado possui as condições necessárias para participar das relações internacionais e que a sua existência não contrasta com os interesses dos Estados que o reconhecem.
A natureza jurídica do reconhecimento é explicada por duas correntes distintas:
a) teoria constitutiva, para a qual o reconhecimento é que atribui ao Estado a condição de sujeito de Direito Internacional Público;
b) teoria declaratória, para a qual o reconhecimento apenas declara que o novo Estado é sujeito de Direito Internacional Público.
A segunda corrente é a mais aceita, estando inclusive positivada no art. 13 da Carta da OEA.
Há uma divergência teórica acerca da obrigatoriedade ou não do reconhecimento de um novo Estado. Para alguns, o reconhecimento é ato voluntário e unilateral dos Estados, que decidem politicamente se querem ou não reconhecer o novo Estado. Para outros, entretanto, o reconhecimento de um Estado novo é um direito deste, desde que reúna todos os elementos de um Estado, e um dever dos demais atores da sociedade internacional. O não-reconhecimento só pode ter lugar quando o novo Estado tenha sido criado em desacordo com o Direito Internacional Público.
O ato de reconhecimento pode ser classificado em:
a) individual ou coletivo, conforme seja feito por um Estado ou por vários deles em conjunto em um único documento diplomático. Atualmente se entende que o admissão de um Estado na ONU representa o reconhecimento deste Estado por todos os seus membros. Também quando a ONU não-reconhece um Estado, manifestando-se no sentido de que um Estado é fruto de ato ilegal, há o chamado não-reconhecimento coletivo.
b) de direito (de jure) ou de fato (de facto): é de direito o reconhecimento resultante quer de uma declaração expressa, quer de um ato positivo que indique com clareza a intenção de conceder esse reconhecimento, que será definitivo e irrevogável. É de fato o reconhecimento decorrente de um fato que implique a intenção de conceder esse reconhecimento, que será provisório e revogável.
c) expresso ou tácito: é expresso o reconhecimento que consta de documento escrito. É tácito o reconhecimento que se puder inferir, pela prática e pela atitude implícita dos demais membros estatais da sociedade internacional, a vontade de reconhecer como ente soberano o novo Estado, por serem tais práticas incompatíveis com a vontade de não-reconhecimento.
d) incondicionado ou condicionado: é incondicionado e irrevogável o reconhecimento feito sem a imposição de condições. É condicionado o reconhecimento feito com a imposição de certas condições que, se desrespeitadas, revogam o reconhecimento. O reconhecimento condicionado contraria a teoria declaratória do reconhecimento.
A forma mais comum de se dar o reconhecimento é por ato do órgão das relações exteriores do Estado, geralmente por nota diplomática ou decreto do Chefe de Estado.

ATENÇÃO: ESTE É APENAS UM ROTEIRO DE AULA. ALGUMAS DAS INFORMAÇÕES PASSADAS EM AULA NÃO CONSTAM DELE.

Roteiro baseado em sua maior parte em MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 157 - 195.

2 comentários:

fernanda disse...

Excelente roteiro para estudo: claro, conciso, profundamente embasado, eclarecedor, possibilitando-nos maior entendimento da noção de sujeito Direito Intrnacional.Fernanda Moysés(acadêmica de Direito_UFSC)

Unknown disse...

Estudo DIP através das aulas desse professor. Estou achando sua didática fantástica. Aprendo muito mais com ele do que com a professora da faculdade. Docente super competente no que faz. Parabéns.