terça-feira, 26 de junho de 2007

Roteiros de Aula - Aula 13 – Proteção Internacional dos Direitos Humanos – Sistemas da ONU e Interamericano

Antes da Carta da ONU (1945) já existiam normas que podiam ser consideradas, em parte, como de proteção dos direitos humanos. Entretanto, é a partir da Carta da ONU que surge uma normatização específica visando a proteção dos indivíduos na sua condição de seres humanos.
A Carta da ONU fala genericamente dos direitos humanos, sem defini-los, o que não significa que eles sejam meras declarações de princípios sem força normativa. Tais direitos são obrigatórios.
A definição do rol de direitos humanos e liberdades fundamentais de que fala a Carta da ONU só foi feita três anos depois, com o advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que faz a positivação internacional de um rol mínimo de direitos dos seres humanos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 traz em seu bojo um rol de direitos humanos de 1.ª e 2.ª dimensão, ignorando os direitos humanos das demais dimensões e não instituindo qualquer órgão internacional com competência para zelar pelos direitos que estabelece.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 não é um tratado, sendo apenas uma resolução da Assembléia Geral da ONU. Entretanto, ela faz a interpretação autêntica da expressão “direitos humanos e liberdades fundamentais” constante da Carta da ONU, aquela sim tratado multilateral obrigatório para todos os seus membros. Para alguns autores, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 integra mesmo a Carta da ONU, justamente por fazer tal interpretação, sendo também obrigatório para todos os membros da ONU. Em 1980, a CIJ entendeu que a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 constitui norma costumeira de Direito Internacional Público, sendo, por esse viés, obrigatória. Pode-se dizer ainda, seguindo o raciocínio da CIJ, que sendo a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 norma costumeira de Direito Internacional Público, é ela norma de jus cogens.
Muitos objetam que os direitos humanos fixados nas cartas internacionais refletem o pensamento e a moral ocidental, e sendo a moral relativa, a universalização dos direitos humanos corresponderia a uma imposição da moral ocidental sobre todos os países. Tal tema foi discutido na II Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena de 1993, sendo a citada objeção defendida principalmente por Estados asiáticos e mulçumanos. Ao final da Conferência, a tese da universalização saiu vencedora, entendendo-se que as circunstâncias culturais não podem servir de justificativa para violação dos direitos humanos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 teve grande impacto, servindo de fonte para vários tratados internacionais de direitos humanos posteriores, bem como para a Constituição Federal de 1988, que copiou literalmente alguns de seus dispositivos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 vem sendo ainda utilizada como fundamento de algumas decisões judiciais brasileiras.
Como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 não é tratado internacional, nem previu formas pelas quais os indivíduos que tivessem seus direitos humanos violados pudessem vindicá-los, surgiu a preocupação de dar uma dimensão técnico-jurídica à Declaração. Tal veio com a adoção do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos aprovados pela Assembléia Geral da ONU em Nova Iorque em 16 de dezembro de 1966.
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos entrou em vigor em 23 de março de 1976, três meses após a data do depósito do trigésimo quinto instrumento de ratificação, nos termos do seu artigo 49, § 1.º. Seu rol de direitos civis e políticos é mais amplo que o da própria Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, além de ser mais rigoroso na afirmação da obrigação dos Estados em respeitar os direitos nele consagrados.
O Protocolo Facultativo Relativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos faculta ao Comitê de Direitos Humanos, criado pelo Pacto, o recebimento de petições de indivíduos reportando violações de seus direitos humanos, cristalizando a posição do indivíduo como sujeito de Direito Internacional Público. Para que tal petição seja examinada, é necessário que a questão nela discutida não esteja sendo examinada perante uma outra instância internacional de investigação ou solução; e que o indivíduo em questão tenha esgotado todos os recursos jurídicos internos disponíveis (não sendo aplicável esta regra quando a aplicação dos mencionados recursos se prolongar injustificadamente).
O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais também traz um elenco de direitos muito mais amplo e mais bem elaborado que o elenco da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
As normas do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais são de natureza programática, ou seja, pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais os Estados reconhecem direitos aos cidadãos, não estando tais direitos desde já garantidos, ao contrário das normas do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Por isso, alguns autores defendem que os direitos elencados no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais não podem ser acionáveis perante cortes ou instâncias internacionais. Entretanto, entendem outros autores que tais direitos podem ser sim acionáveis.
Além do sistema global de direitos humanos, existem sistemas regionais, como o europeu e o africano, dentre os quais merece destaque o sistema interamericano, composto de quatro tratados: a Carta da Organização dos Estados Americanos de 1948, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948, que assim como a Declaração Universal dos Direitos Humanos não tem natureza jurídica de tratado, a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (Pacto de San José da Costa Rica) e o Protocolo Adicional à Convenção Americana em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1988 (Pacto de San Salvador).
A Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 traz um rol de direitos civis e políticos, mas não faz qualquer menção à direitos de 2.ª dimensão. Para a garantia de tais direitos é que foi firmado o Protocolo Adicional à Convenção Americana em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1988. A Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 enumera em sua Parte II os meios de se alcançar a proteção dos direitos que elenca.
Para proteção e monitoramento dos direitos que estabelece, a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 vem integrada por dois órgãos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é órgão da Organização dos Estados Americanos, mas também é órgão da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969. Ela representa todos os Estados-membros da OEA e tem como principal função a de promover a observância e a defesa dos direitos humanos. É composta por sete membros eleitos para um mandato de quatro anos, permitida uma reeleição, sendo vedada a participação de dois ou mais nacionais de um mesmo país ao mesmo tempo na Comissão. Uma das principais competências da Comissão é a de examinar petições individuais que reportem violações de direitos constantes na Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969. Para que tais petições sejam examinadas, é necessário que: a) tenham sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna do Estado violador; b) a petição seja apresentada em seis meses a partir da data em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva; c) a matéria da petição ou comunicação não esteja pendente de outro processo de solução internacional.
A Comissão processará a petição nos termos dos artigos 48 a 51 da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969. Ao fim do procedimento, emitirá um relatório (primeiro informe), com suas conclusões. Caso ela tenha concluído pela ocorrência de violação de direitos humanos, fará recomendações. Caso o Estado violador não siga as recomendações nem resolva o problema de outra forma, estando o peticionário de acordo e o Estado submetido à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o caso é a ela submetido. Se no prazo de três meses do primeiro informe o assunto não estiver resolvido nem tiver sido submetido à Corte, a Comissão emitirá um segundo informe, fazendo as recomendações pertinentes e estabelecendo um prazo para que o Estado as cumpra. Se o Estado não as cumprir, a Comissão poderá acionar a Assembléia Geral da OEA para que tome medidas sancionatórias contra o Estado.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos é órgão apenas da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, e tem competência consultiva e contenciosa. Ao ratificar ou aderir à Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, os Estados automaticamente submetem-se à jurisdição consultiva da Corte, mas não à jurisdição contenciosa, à qual poderão submeter-se por ato a posteriori. A Corte tem sede em San José da Costa Rica, é composta por sete juízes eleitos para um período de seis anos, permitida uma reeleição, sendo vedada a participação de dois ou mais nacionais de um mesmo país ao mesmo tempo na Corte. O quorum para deliberações da Corte é de cinco juízes. A Corte, no exercício de sua competência contenciosa, profere sentenças.
Um Estado pode ser processado perante a Corte por um outro Estado ou pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, como referido acima. O processo dar-se-á nos termos do Regulamento da Corte. As sentenças são de observância obrigatório pelos Estados-partes, embora a Corte não disponha de um sistema eficaz de execução das sentenças da Corte no ordenamento jurídico interno dos Estados por ela condenados.
As sentenças da Corte independem de homologação pelo STJ para serem executadas no Brasil, pois dependem de homologação apenas as sentenças estrangeiras, e não as proferidas por Cortes internacionais.
Em caso de condenação da Corte a pagamento de indenização pecuniária, o Estado deverá obedecer ao disposto pelo seu Direito interno quanto à execução da sentença em face do Estado (no Brasil, sujeitando-se inclusive ao sistema de precatórios).

Roteiro baseado em sua maior parte em MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 516 - 543.

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