terça-feira, 26 de junho de 2007

Roteiros de Aula - Aula 15 – Solução de Controvérsias – Direito de Guerra e Neutralidade

Controvérsia internacional é todo desacordo existente sobre determinado ponto de fato ou de direito, ou seja, toda oposição de interesses ou de teses jurídicas entre dois Estados (ou eventualmente grupos de Estados) ou Organizações Internacionais.
As soluções pacíficas de controvérsias podem ser classificadas em: a) meios diplomáticos (ou não judiciais); b) meios políticos; c) meios semi-judiciais; e d) meios judiciais.
Depois da proscrição do uso da força pela Carta das Nações Unidas, os meios de solução pacífica são o único meio juridicamente viável para a solução de controvérsias. Ainda assim, não há em Direito Internacional Público qualquer obrigação de solucionarem-se as controvérsias, sendo que qualquer meio utilizado há que assentar-se no consentimento das partes.
As partes não estão obrigadas a utilizar um ou outro meio, ou seguir qualquer ordem de eleição dos meios; podem escolher o que melhor lhes aprouver, não havendo entre os meios de solução de controvérsias qualquer hierarquia, com exceção do inquérito que, buscando apurar a verdade dos fatos ocorridos do território de determinado Estado, é sempre prévio à via de solução de conflitos.
Os meios diplomáticos de solução de controvérsias são aqueles que proporcionam um foro de diálogo entre as partes divergentes, para que estas busquem um denominador comum para a satisfação dos interesses de ambas as partes envolvidas no conflito internacional. Assim como os meios políticos, carecem de imposição pelo direito, e podem inclusive sacrificá-lo para chegar a uma solução que satisfaça os interesses de todas as partes envolvidas no conflito.
São meios diplomáticos de solução pacífica de controvérsias: a) negociação direta; b) bons ofícios; c) sistema de consultas; d) mediação; e) conciliação; e f) inquérito.
As negociações diretas consistem no entendimento direto que chegam os Estados em relação ao conflito existente, manifestado por meio de comunicação diplomática. Podem ser bilaterais (entre dois sujeitos de Direito Internacional Público) ou multilaterais (entre três ou mais sujeitos de Direito Internacional Público).
Pelos bons ofícios, determinado terceiro oferece sua colaboração (intervenção benévola) com vistas a resolver determinada controvérsia internacional entre dois ou mais Estados ou Organizações Internacionais.
Pelo sistema de consultas, os Estados ou Organizações Internacionais consultam-se mutuamente sobre os pontos de controvérsia dos seus interesses, preparando terreno para uma futura negociação, na qual essas mesmas partes colocarão à mesa os pontos que já vinham considerando controversos entre elas para, ao final, chegar a uma solução amistosa de suas diferenças.
Na mediação, o terceiro (chamado de mediador) não apenas aproxima as partes para que resolvam suas controvérsias, como ocorre nos bons ofícios, mas efetivamente toma conhecimento do problema e propõe uma solução pacífica a ambas (o que não significa, entretanto, que a mesma será acatada).
A conciliação é um método mais formal e solene de solução de controvérsias, que se caracteriza em não ter apenas um conciliador, como ocorre na mediação, mas uma comissão de conciliadores, composta por representantes dos Estados envolvidos no litígio e também de pessoas neutras ao conflito. Este grupo de pessoas (cujo número deve ser obrigatoriamente ímpar) emite, ao final, um parecer ou relatório propondo a solução do conflito pelos termos que decidiram por maioria de votos. O relatório dos conciliadores, entretanto, não tem força vinculante para as partes, e só será observado quando ambas assim desejarem.
Por meio do inquérito, forma-se uma comissão de pessoas que têm por encargo apurar os fatos (ainda ilíquidos) ocorridos entre as partes, preparando-as para o ingresso num dos meios de solução pacífica de controvérsias.
Os meios políticos de solução de controvérsias são aqueles levados a cabo no seio de Organizações Internacionais, em especial a ONU, cuja Assembléia Geral ou Conselho de Segurança podem fazer recomendações ou tomar resoluções em relação a conflitos internacionais, sugerindo ou determinando certas soluções a controvérsias internacionais. Tais Organizações não precisam ser provocadas por todas as partes envolvidas no conflito, bastando que uma delas leve o assunto ao conhecimento da Organização e tal assunto esteja na órbita de “interesse internacional”, ou seja, seja regulado por normas de Direito Internacional Público.
Diferentemente dos meios vistos até o momento, os meios semi-judiciais (arbitragem) e judiciais de solução de controvérsias têm como característica o fato de serem, ambos, obrigatórios para as partes em litígio. A arbitragem diferencia-se dos meios judiciais de solução de controvérsias por ser o tribunal arbitral um tribunal ad hoc, enquanto os tribunais judiciais são permanentes, têm composição fixa e sua atuação se fundamenta em normas preexistentes aos conflitos.
A arbitragem internacional consiste na criação de um tribunal formado por árbitros de vários Estados, escolhidos pelos litigantes por sua notória especialidade na matéria envolvida e baseado no respeito ao direito, geralmente por meio de um compromisso arbitral em que as partes já estabelecem as regras a serem seguidas e aceitam a decisão que vier a ser tomada.
Os árbitros são livremente escolhidos pelas partes, que podem eleger um terceiro para escolher os árbitros. Os poderes dos árbitros devem constar expressamente do compromisso arbitral, não sendo válida a sentença proferida por árbitro que manifestamente extrapolou seus poderes.
Cláusula arbitral é a cláusula aposta em um tratado internacional que obriga os Estados-partes a recorrerem à arbitragem na solução de suas pendências internacionais, quer para resolverem qualquer divergência relativa à interpretação do acordo, quer para criar meios mais céleres de se executar o compromisso firmado, quer ainda para deixar expresso que todos os litígios porventura existentes entre as partes deverão ser submetidos a esse meio semi-judicial de solução de controvérsia internacional.
O processo arbitral é regulado pelo compromisso. Em seu silêncio, cabe aos árbitros dar curso ao processo da forma que melhor lhes convier.
Salvo disposição convencional em contrário, a sentença do tribunal arbitral, chamada de laudo, tem valor jurídico e deve ser fielmente cumprida pela partes. Contra o laudo arbitral não cabem recursos, sendo o mesmo definitivo e obrigatório para as partes litigantes. As partes podem recorrer novamente ao árbitro para que ele aclare eventual obscuridade do laudo (o chamado “pedido de interpretação”) ou para alegar nulidade do laudo. O não cumprimento do laudo acarreta a responsabilidade internacional das partes.
A arbitragem se classifica em voluntária e obrigatória. A primeira ocorre quando as partes livremente decidem resolver suas contendas por meio da eleição de árbitros que formarão um tribunal arbitral ad hoc especialmente para o caso. A segunda, chamada de obrigatória, tem lugar quando as partes estão obrigadas a recorrer à arbitragem, em virtude daquilo que elas próprias previamente consentiram por meio de acordo anteriormente firmado entre ambas.
Os meios judiciais de solução de controvérsias são integrados pelos chamados tribunais internacionais de caráter e jurisdição permanentes. Tais tribunais são constituídos por tratados, que são produto da vontade conjugada dos Estados, diferentemente do Regulamento do Tribunal, que produto da vontade interna do próprio tribunal já constituído.
O principal tribunal internacional é a Corte Internacional de Justiça. No exercício de sua competência contenciosa, a Corte só decide com base no Direito Internacional Público, nunca no direito interno de um Estado. No exercício de sua competência contenciosa, a Corte pode tomar decisões cautelares, desde que informe as partes e o Conselho de Segurança da ONU.
Relativamente à competência consultiva da Corte, é importante notar que somente os órgãos ou organismos especializados da ONU a podem utilizar. No exercício desta competência, a Corte não profere sentenças, mas pareceres consultivos de natureza não-obrigatória.
A jurisdição da CIJ é facultativa, devendo a Corte declarar-se incompetente para o julgamento de litígios envolvendo Estados que não aceitaram expressamente a sua jurisdição contenciosa. Assim, os Estados partes numa controvérsia internacional devem (ambos) reconhecer como obrigatória a jurisdição da Corte em relação a si, aceitando expressamente a sua competência para julgamento. Tal faculdade é chamada de “cláusula Raul Fernandes”, só se admitindo a jurisdição da Corte sobre Estados que tenham aderido a tal cláusula.
O Estado réu não pode recusar a jurisdição da Corte quando se obrigou, por meio de tratado internacional, a aceitá-la, ou ainda por ter aceito a cláusula facultativa de jurisdição obrigatória, segundo a qual um Estado aceita ser demandado perante a Corte, sempre que o outro também tiver aceito a referida cláusula, com base na reciprocidade.
O acórdão da Corte é definitivo e obrigatório para os Estados, não estando subordinado a qualquer procedimento interno de “aceitação” ou “reconhecimento”. Nada impede, entretanto, que as partes ingressem com um pedido de interpretação, requerendo a aclaração de algum ponto ambíguo, omisso ou contraditório do acórdão.
Além da CIJ, há outros tribunais internacionais, como:
a) a Corte de Justiça das Comunidades Européias, que tem como função principal a aplicação e interpretação dos acordos constitutivos das Comunidades Européias, bem como das medidas legislativas adotadas pelos órgãos comunitários;
b) O Tribunal Internacional do Direito do Mar;
c) a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Não se pode exigir que os Estados submetam suas controvérsias à jurisdição de uma corte internacional, assim como sujeitá-los ao pólo passivo da relação processual internacional, se a isto não tiverem expressamente consentido. Portanto, um tribunal internacional não poderá decidir acerca de uma controvérsia internacional da qual faz parte determinado Estado que não aceitou a sua competência em relação a ele.
Uma vez aceita a competência do tribunal, o Estado se obriga em relação ao fiel cumprimento daquilo que foi estabelecido na sentença, devendo cumpri-la de boa-fé, sob pena de responsabilidade internacional.
Fracassados que sejam os meios pacíficos de solução de controvérsias, ou caso não tenham sido aplicadas as medidas judiciais cabíveis para a solução do conflito entre as partes, estas poderão se utilizar de certos “meios coercitivos” para pôr fim ao litígio, antes do início de uma luta armada (guerra) contra o outro Estado envolvido na controvérsia. Tais meios, não obstante a coerção que os caracteriza, são ainda assim considerados pela doutrina como pertencendo ao campo das soluções pacíficas de controvérsias.
Os meios coercitivos mais comuns utilizados pelos Estados são: a) a retorsão; b) as represálias; c) o embargo; d) a boicotagem; e) o bloqueio pacífico; e f) o rompimento das relações diplomáticas.
A retorsão consiste no processo pelo qual um Estado retribui a outro, com os mesmos meios, na mesma medida e na mesma proporção, os atos pouco amistosos por este praticados em detrimento e que lhe acarretaram prejuízos.
Represálias são medidas coercitivas, derrogatórias das regras ordinárias de Direito Internacional Público, tomadas por um Estado em decorrência de atos ilícitos cometidos em seu prejuízo por um outro Estado e destinadas a impor a este, por meio de um dano, o respeito do direito. As únicas represálias atualmente admitidas são aquelas praticadas sem o uso da força, devendo quaisquer outras ser consideradas ilícitas e violadoras das regras do Direito Internacional Público.
O embargo é uma modalidade de represália por meio do qual um Estado, em tempo de paz, seqüestra navios e cargas de nacionais de país estrangeiro, ancorados em seus portos ou em trânsito nas suas águas territoriais, a fim de fazer predominar a sua vontade em relação à vontade do Estado embargado. É contrário aos princípios e regras do Direito Internacional Público moderno.
A boicotagem ou boicote também é modalidade de represália e consiste na interrupção de relações comerciais com um Estado tido como ofensor dos interesses ou dos nacionais de outro Estado.
O bloqueio pacífico (ou bloqueio comercial) tem lugar quando um Estado, sem declarar guerra ao outro, mas por meio de força armada, impede que este último mantenha relações comerciais com terceiros Estados, interrompendo forçosamente as comunicações comerciais entre estes países e o Estado bloqueado. A melhor doutrina entende que o bloqueio é ilegal, afrontando o Direito Internacional Público.
O rompimento das relações diplomáticas consiste na suspensão (temporária ou definitiva) das relações oficiais dos Estados em conflito.
Modernamente, presencia-se a existência de um processo coletivo de sanções internacionais, levado a efeito pela ONU, em especial pelo seu Conselho de Segurança.
Em termos jurídicos, a guerra pode ser conceituada como todo conflito armado entre dois ou mais Estados, durante um certo período de tempo e sob a direção dos seus respectivos governos, com a finalidade de forçar um dos adversários a satisfazer a(s) vontade(s) do(s) outro(s). As guerras civis não são consideradas guerras para o Direito Internacional Público, por não envolverem mais de um Estado.
A guerra é um ato de violência atualmente inadmitido em Direito Internacional Público, sendo considerada um meio de perturbação da ordem social internacional, não podendo ser utilizada (ou deflagrada) pelos Estados, a não ser em casos de legítima defesa dos seus direitos, comprovada por uma agressão injusta ou por um perigo de dano atual ou iminente. Diz a Carta da ONU sobre a guerra (art. 2.º, §§ 3.º e 4.º):
3. Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais.
4. Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas.
As leis da guerra (ou direito de guerra) formam o conjunto de normas às quais devem obedecer os beligerantes entre si e aqueles que não são parte do conflito.
O início de um conflito bélico se dá por meio da declaração de guerra, que é o ato de um Estado que dá ciência ao outro de que, a partir desse momento, terá início uma luta armada entre eles, cessando as relações até então pacíficas que ambos mantinham. A exigência deste aviso de guerra está prevista no artigo 3.º da Convenção da Haia de 1907 sobre abertura de hostilidades.
Às vezes aparece a figura do ultimatum, que representa a última oportunidade que um país dá a outro para o atendimento de certa exigência.
No Brasil, compete ao Presidente da República declarar a guerra, autorizado ou referendado pelo Congresso Nacional (artigo 84, XIX, c/c 49, II, da Constituição Federal).
Como efeito da declaração de guerra, tem-se o rompimento imediato das relações diplomáticas e consulares entre os beligerantes, com a extinção dos tratados bilaterais (e a suspensão dos multilaterais) entre eles vigentes. Os nacionais do Estado inimigo não poderão ser feitos prisioneiros de guerra, mas o Estado pode ordenar sua retirada em determinado prazo sob pena de expulsão. Os bens do Estado inimigo não poderão ser confiscados, mas apenas seqüestrados com a guarda e administração dos bens. Podem ser confiscados apenas os bens móveis do Estado inimigo que não pertençam a seu domínio público.
As hostilidades têm início quando o governo de um Estado ataca de fato o território de outro.
A guerra pode terminar pela conclusão de um Tratado de Paz, pela rendição incondicional de uma das partes beligerantes ou pela pura e simples paralisação das hostilidades.
A possibilidade de um Estado atacar outro em legítima defesa é um princípio geral de Direito Internacional Público e autoriza o recurso à guerra por um Estado desde que imediatamente ao sofrimento de uma agressão injusta, atual ou iminente. O direito à legítima defesa foi reconhecido na Carta da ONU, nos termos do seu artigo 51:
“Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos Membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais.”
Veja-se que o disposto na Carta da ONU limitou o exercício da legítima defesa à ocorrência de uma agressão injusta prévia, impossibilitando a chamada legítima defesa preventiva.
Neutralidade é a situação de alheamento (ou imparcialidade) em que se coloca determinado Estado em relação às hostilidades entre duas ou mais potências, abstendo-se de todo e qualquer tipo de ingerência ou participação ativa ou passiva na controvérsia, tornando-se estritamente imparcial perante eles.
A neutralidade pode manifestar-se de duas formas:
a) unilateralmente, por ato voluntário do Estado, que se mostra desejoso de alhear-se de certo conflito bélico, quando se tem a neutralidade simples ou voluntária, de caráter transitório e temporário;
b) por meio de tratado internacional, quando se tem a neutralidade permanente, de feição perpétua e indeclinável.
Neste último caso, o Estado neutro pode ser compulsoriamente impedido de levar a cabo guerra ofensiva. A neutralidade permanente pode ser reconhecida ou garantida. Na neutralidade reconhecida, os demais Estados-partes do tratado de neutralidade comprometem-se a respeitar a neutralidade daquele Estado que se declarou neutro. Já na neutralidade garantida, os demais Estados-partes do tratado de neutralidade comprometem-se a defender o Estado neutro em caso de agressão.
Muitos doutrinadores entendem que a condição de neutro é incompatível com condição de membro de organizações internacionais de caráter político, como a ONU. Isso porque a condição de neutro impediria tais Estados de seguir as determinações da Organização no caso de uma ação militar coletiva a ser tomada pelos membros da Organização. Com relação à ONU, tal entendimento baseia-se no artigo 43, § 1.º, da Carta, que diz que “todos os Membros das Nações Unidas, a fim de contribuir para a manutenção da paz e da segurança internacionais, se comprometem a proporcionar ao Conselho de Segurança, a seu pedido e de conformidade com o acordo ou acordos especiais, forças armadas, assistência e facilidades, inclusive direitos de passagem, necessários à manutenção da paz e da segurança internacionais”. Ainda assim, alguns Estados neutros, como a Áustria, são membros da ONU e defendem que sua condição de neutralidade não é incompatível com os propósitos das ONU, que são justamente a paz e a segurança coletiva internacional. A Suíça, o mais conhecido caso de Estado neutro, resistiu à sua entrada da ONU até 2002, quando aderiu à Carta da ONU.

Roteiro baseado em sua maior parte em MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 621 - 671.

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